domingo, 6 de fevereiro de 2011

Doenças e Desequilíbrio

Cada indivíduo é um ser único. Existe, no entanto, uma multiplicidade de causas químicas e biológicas que podem violar a privacidade de cada ser, sendo muitas delas agressivas.
Um dos elementos fundamentais que nos protege contra estas causas é o sistema imunitário que preserva a integridade do corpo humano face ao seu ambiente, tendo um papel primordial na defesa contra agentes infecciosos ou parasitários. Também previne certas desordens internas, nomeadamente, destruindo células tumorais.
Esses “combates” permanentes têm de ser controlados para que não se virem contra a própria pessoa. A intensidade das reacções imunitárias deve ser ajustada, ou seja, deve ser suficientemente intensa para a eliminar os agentes patogénicos, mas não em demasia, de modo a não prejudicar o indivíduo. Além disso, deve ser específica e adaptada a um destes agentes.
O sistema imunitário, contudo, ao desenvolver múltiplas acções complexas, pode desregular-se ou possuir alguma deficiência. Estas situações tornam o indivíduo muito vulnerável a infecções ou conduzem a reacções violentas contra elementos do ambiente normalmente tolerados.
Alergias
As alergias são um problema cada vez maior no mundo actual, muito disseminadas entre a população mundial e que, cada vez mais, e de forma mais violenta, afectam indivíduos mais jovens, principalmente, nas grandes cidades, onde os índices de respirabilidade do ar se têm vindo a degradar de ano para ano.
Esta epidemia da civilização moderna deve-se, em parte, à obsessão pela limpeza. Isto faz com que, desde a infância, o corpo não seja suficientemente exposto à sujidade (de modo a estimular o sistema imunitário) e responda de forma inapropriada perante qualquer substância estranha, chamada alergénio. As substâncias alergénicas são, em regra, substâncias inofensivas, presentes no ambiente, que se comportam como antigénios (componentes moleculares estranhos que estimulam uma resposta imunitária específica) para algumas pessoas.
Contudo, a maioria das alergias tem origem alimentar. Na maioria dos casos, os alergénios são produtos usados na nossa dieta diária (ovos, leite, cereais como o trigo e o centeio, entre outros). Quanto maior for a quantidade proteica presente num determinado alimento, maior será a possibilidade deste desencadear uma reacção alérgica. Isto deve-se ao facto de, quanto maior for a proteína, mais difícil se torna a sua digestão. Assim, muitas vezes, entram proteínas inteiras na circulação sanguínea, podendo, desta forma, ser interpretadas pelo organismo como corpos estranhos, e combatidas como tal, libertando-se para o efeito determinadas substâncias como, por exemplo, a histamina, e desencadeando uma reacção alérgica.
A reacção alérgica acontece em duas fases (Fig.1):
· Fase de sensibilização
· Resposta secundária.
Na 1ª exposição a um alergénio o sistema imunitário enfraquece. Nas posteriores exposições, ocorre uma reacção alérgica que pode ir de uma erupção cutânea a diversos problemas respiratórios. Existem diversos tipos de reacções alérgicas e que variam de pessoa para pessoa.
Podemos, então, definir a alergia como uma resposta exagerada do sistema imunitário a uma substância estranha ao organismo, ou seja, uma hipersensibilidade imunitária a um estímulo externo ou interno específico.
As reacções alérgicas podem manifestar-se de imediato (hipersensibilidade imediata), havendo um tipo mais frequente chamado choque anafilático, ou num período mais prolongado, após o contacto com o alergénio (hipersensibilidade tardia), dividindo-se, também, em três importantes tipos: citotóxico, imunocomplexos e celular.
A Hipersensibilidade imediata ocorre quando um dado indivíduo produz grandes quantidades de imunoglobulina E (IgE) de forma a proteger-se de grãos de pólen, por exemplo. Os mastócitos (nos tecidos) e os basófilos (no sangue) ligam-se à IgE, fazendo com que haja libertação de histamina. Esta provoca sintomas como a vasodilatação, a inflamação e dificuldades respiratórias. Se uma reacção alérgica não for tratada com um anti-histamínico pode mesmo provocar a morte nas situações mais graves, devendo ser efectuados testes de detecção de sensibilidades.
Tipo I ou Choque anafilático é uma reacção alérgica intensa que ocorre minutos após a exposição a um alergénio (aproximadamente um quarto de hora depois). Esta reacção é mediada por determinadas substâncias como a histamina, em células da mucosa respiratória, mucosa intestinal e epiderme, e por determinados leucócitos (mastócitos e basófilos). À medida que a reacção progride, algumas substâncias com alto poder inflamatório são sintetizadas. Quando ocorre um choque anafilático, na maioria dos casos, o indivíduo fica lívido, com a pele fria, sente uma ansiedade extrema, podendo mesmo desmaiar.
A Hipersensibilidade tardia leva mais de 12 horas a manifestar-se à exposição ao alergénio. Neste caso, o alergénio é processado por células apresentadoras de antigénios e é iniciada uma resposta mediada por células. Esta resposta pode ser tão intensa que a quantidade de citocina libertada é capaz de activar macrófagos e lesionar tecidos. (Ex: quando bactérias que causam a tuberculose colonizam os pulmões.)
Tipo II ou Citotóxico é uma reacção que ocorre, por exemplo, em algumas doenças auto-imunes como a tiróidite, onde a pessoa forma anticorpos contra elementos (órgãos e tecidos) de si próprio. São bons exemplos disso a rinite alérgica, certos tipos de asma brônquica aguda, ou reacções alérgicas a drogas.
Tipo III ou Imunocomplexos é uma reacção que se caracteriza pela formação de complexos antigénio - anticorpo (imunocomplexos), os quais se depositam em tecidos ou entram na circulação sanguínea. Os imunocomplexos atraem mediadores da inflamação, o que determina lesões localizadas em certos órgãos ou espalhadas por todo o corpo.
Tipo IV ou Celular é uma reacção mediada por linfócitos e seus produtos, as linfocinas, libertadas mediante o contacto com o antigénio, cujo exemplo típico é a reacção tuberculínica, encontrando-se este mecanismo também na rejeição de transplantes e nas chamadas dermatites de contacto.
As doenças alérgicas mais frequentes desencadeadas por estas reacções são:
Edema de Quincke. (Fig.2) A principal complicação relacionada com o edema de Quincke é a respiratória, que surge bruscamente e se caracteriza por um inchaço considerável (edema) na pele, cara e mucosas da boca e garganta. O risco de asfixia é elevado devido ao inchaço da glote, sendo, portanto, o tratamento muitíssimo urgente.
Eczema. Surge quando há uma inflamação na pele que provoca prurido (comichão). Nem todos os eczemas são de origem alérgica, mas nesta situação destacam-se três variantes:
· . Eczema do lactente. (Fig. 3) Manifesta-se entre o 3º e o 4º mês de vida, e normalmente cura-se de forma espontânea. É, muitas vezes, hereditário.

. Eczema constitucional. É um tipo crónico de eczema que se pode formar na infância ou mesmo na idade adulta, estando ligado a uma alergia semitardia. Também pode ter origem hereditária.
· Eczema de contacto. (Fig.4) Tem origem num alergénio fixo à pele ou a uma mucosa. De início, encontra-se localizado. Todavia, tem tendência a alastrar.
Urticária. (Fig.5) É uma erupção cutânea súbita. Apesar de poder ser confundida com o eczema, o prurido é fácil de discernir (sensação de dor aguda, semelhante à picada de urtiga, daí o nome).
Asma. Divide-se em dois tipos: asma atópica e não atópica:
· Asma atópica – Imunologicamente, é uma hipersensibilidade semitardia a anticorpos circulantes, manifestando-se após a fixação de um determinado alergénio no chamado órgão – alvo, ou seja, no tecido que recebe o alergénio (preferencialmente a mucosa brônquica).
· Asma não atópica – Surge em indivíduos de idade mais avançada e pode não ter a alergia como causa inicial. Quando intervém a alergia o fenómeno imunitário é uma hipersensibilidade tecidular
Doenças auto – imunes
As doenças auto – imunes resultam de uma reacção de hipersensibilidade do sistema imunitário contra antigénios próprios.
Cada indivíduo possui antigénios no seu organismo. Os linfócitos que se formam no indivíduo têm, normalmente, tolerância para com estes antigénios. Quando os linfócitos que se formam não possuem essa tolerância para com o próprio (self) são eliminados ou ficam inactivos.
O timo, órgão linfóide principal e local onde são formados os linfócitos T, serve de crivo, só deixando passar os linfócitos com pouca ou sem afinidade para a self. O mesmo acontece na medula óssea vermelha onde são formados os linfócitos B.
Diversas causas podem, contudo, romper com esta tolerância, ficando o organismo a produzir anticorpos e linfócitos sensibilizados contra alguns dos seus próprios tecidos, provocando a lesão e alteração das funções dessas células.
Existem vários tipos de doenças auto – imunes, cujos sintomas se relacionam com o tipo de tecido que é atacado e destruído pelo sistema imunitário do próprio organismo.
São exemplos de doenças auto – imunes:
Esclerose múltipla. Surge quando os linfócitos T destroem a bainha de mielina dos neurónios. (Fig.6) Assim, o axónio fica descoberto, perturbando a propagação do impulso saltatório, que nas pessoas saudáveis se dá entre os Nódulos de Ranvier, causando grandes alterações na transmissão do impulso nervoso. Os sintomas incluem vários transtornos neurológicos
Artrite reumatóide. (Fig.7) É uma doença que provoca a destruição da cartilagem articular pelo sistema imunitário, o que causa deformações das articulações. Os pés e as mãos são as zonas mais afectadas.
Lúpus. As pessoas que apresentam esta doença desenvolvem anticorpos que reagem contra as suas próprias células normais, podendo, consequentemente, afectar a pele, as articulações, rins e outros órgãos.
Diabetes insulinodependentes. (Fig.8) As pessoas que são afectadas com esta doença manifestam anticorpos que destroem as células das ilhotas de Langerhans, na superfície do pâncreas, responsáveis pela produção de insulina.

Psoriase. (Fig. 9) É uma doença incurável, crónica e hiperproliferativa da pele, de etiologia desconhecida. Manifesta-se com a inflamação nas células da pele, chamadas queratonócitos, provocando o aumento exagerado da sua produção, que se acumula na superfície formando placas avermelhadas de escamação esbranquiçadas ou prateadas. O sistema de defesa local, formado pelo linfócitos T, é activado como se a região cutânea tivesse sido agredida. Em consequência, libertam substâncias mediadoras da inflamação, chamadas citocinas que aceleram o ritmo de proliferação das células da pele.
Tiróidite de Hashimoto é a forma mais comum das tiróidites, onde os anticorpos do indivíduo lutam contra as células da tiróide. Em muitos casos, a tiróidite de Hashimoto resulta em hipotireoidismo, podendo, na sua fase mais avançada, causar hipertireoidismo. Fisiologicamente, os anticorpos causam uma destruição gradual dos folículos da tiróide. A doença pode ser detectada clinicamente por análises sanguíneas, procurando a presença desses anticorpos no sangue.
Miastenia Gravis é uma doença crónica que causa fraqueza e fadiga anormalmente rápida dos músculos voluntários. A fraqueza é causada por um defeito na transmissão dos impulsos dos nervos para os músculos. Esta transmissão é normalmente feita por uma substância, a acetilcolina, na junção neuromuscular, provocando uma contracção do músculo. Na Miastenia Gravis, o número de receptores da acetilcolina ou sítios nos quais a substância pode ser recebida encontram-se reduzidos, uma vez que há um ataque dos receptores da acetilcolina, por anticorpos, produzidos pelo sistema imunitário do próprio indivíduo.
Vasculite (Fig.10) é uma inflamação do vaso sanguíneo que provoca, geralmente, danos no revestimento dos vasos: estreitamento ou obstrução, limitando ou interrompendo  o fluxo sanguíneo. Os tecidos abastecidos pelos vasos afectados ficam igualmente danificados ou destruídos por isquemia (falta de abastecimento sanguíneo e, consequentemente, de oxigénio).
Síndrome de Sjögren ou síndrome de Goujerot-Sjögren é uma desordem auto--imune em que as células imunitárias atacam e destroem os ductos das glândulas lacrimais e salivares.
Vitiligo ou leucoderma (Fig.11) é a perda da pigmentação da pele, devido ao ataque auto-imune sistema imunitário do indivíduo aos melanócitos. O vitiligo, geralmente, começa na fase adulta com manchas de pele despigmentada aparecendo nas extremidades. As manchas podem crescer ou permanecer com tamanho constante. Ocasionalmente, pequenas áreas podem repigmentar quando forem recolonizadas por melanócitos.
Imunodeficiência
As doenças devidas à imunodeficiência apresentam uma falha nas defesas do organismo que têm como objectivo combater as infecções e os tumores.
O resultado desta imunodeficiência é o aparecimento recorrente ou a persistência de infecções, causadas por organismos que, em circunstâncias normais, não as causariam, fraca resposta em relação ao tratamento habitualmente eficaz, recuperação incompleta da doença e uma susceptibilidade invulgar a certas formas de cancro.
Imunodeficiência congénita, hereditária ou inata
O sistema imunitário está dividido, de um modo geral, em dois tipos de defesas: as defesas não específicas e as defesas específicas.
As defesas não específicas, geralmente, impedem a entrada de agentes patogénicos ou destroem-nos quando eles, por qualquer motivo, penetram no organismo do indivíduo.
As defesas específicas são constituídas, essencialmente, por dois tipos de imunidade: a imunidade humoral – produção de anticorpos ou imunoglobulinas pelos linfócitos – e a imunidade celular – baseia-se na actividade dos linfócitos T.
Quando existe uma deficiência num destes tipos de imunidade, o indivíduo é imunodeficiente. 
Se a deficiência figura no sistema de imunidade humoral – falta de linfócitos B – o indivíduo está mais susceptível a infecções extra celulares. Caso a deficiência se encontre no sistema de imunidade celular – falta de linfócitos T – há uma maior sensibilidade a agentes infecciosos intracelulares, vírus e cancros.
A imunodeficiência mais grave caracteriza-se pela ausência de linfócitos B e T.
Os indivíduos com esta deficiência ficam extremamente vulneráveis e apenas sobrevivem em ambientes completamente estéreis.
O transplante de medula óssea ou terapia génica são eficazes no tratamento destas deficiências.
Imunodeficiência adquirida
A imunodeficiência adquirida pode resultar de processos de doença ou de supressão ou diminuição da actividade do sistema imunitário por acção de certos medicamentos.
A imunodeficiência adquirida pode resultar de uma má nutrição grave, em especial a proteica, de muitos tipos de cancro e da infecção pelo VIH (vírus da imunodeficiência humana), que pode levar à SIDA (síndrome da imunodeficiência adquirida).
A supressão deliberada do sistema imunitário por meio de imunosupressores e corticosóides é efectuada como parte do tratamento de doenças auto – imunes e após transplantes, para minimizar o risco de rejeição de órgãos.
Imunodeficiência adquirida - SIDA (Fig.12)
A SIDA é causada pelo vírus da Imunodeficiência humana, VIH.
O material genético do VIH é composto por uma cadeia simples de RNA viral, que pode infectar várias células, sobretudo os linfócitos T.
No interior da célula hospedeira, o RNA viral é transcrito para DNA pela transcriptase reversa e esse DNA é integrado no genoma.
Quando activo, o DNA viral dirige a produção da célula hospedeira que causa a destruição da célula hospedeira e infecta novas células.
A diminuição progressiva do número de linfócitos T deixa o organismo muito susceptível a doenças “oportunistas” e a cancros.
Um indivíduo infectado pelo VIH reage à sua presença produzindo anticorpos – é seropositivo.
Os vírus que se encontram no interior de células infectadas escapam à acção dos anticorpos.
Um indivíduo seropositivo, mesmo sem sintomas clínicos, pode transmitir o VIH.
Não há cura nem vacina para a doença, mas a sua progressão pode ser retardada por drogas inibidoras da transcriptase reversa, entre outras.
Imunodeficiência nas pessoas de idade
Em consequência da idade, ocorre também um certo grau de imunodeficiência.
Por exemplo, o timo, que desempenha um papel importante  na produção dos linfócitos T, atinge o seu maior volume na puberdade. Seguidamente, vai diminuindo de tamanho, provocando um declínio no número e actividade dos linfócitos T. Há também um declínio do número dos linfócitos B.

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